Tristemente, temos vindo a assistir a uma sucessão de ignóbeis acusações aos cães classificados como potencialmente perigosos pela legislação, acusações essas protagonizadas por governantes e políticos, jornalistas e comentadores, entre outros — pessoas a quem se exigia alguma responsabilidade naquilo que afirmam, mas que não se têm coibido de propagandear alegremente as suas ideias preconceituosas relativamente a esta matéria.
A Legislação Específica Para Determinadas Raças de Cães é uma legislação que se baseia na ignorância e no preconceito, ignorando os conhecimentos científicos e empíricos. Em Portugal, este tipo de legislação existe desde 2003 e o Ministro da Agricultura decretou agora (em despacho de 3 de Abril de 2008) a proibição de criação de cães de raças consideradas potencialmente perigosas e a esterilização obrigatória desses animais no prazo de 4 meses. Lamentavelmente, esta legislação conta com um grande número de apoiantes — embora isso não seja muito surpreendente, pois apoiar esta lei é o caminho fácil (desculpabiliza os humanos) e populista (oferece condenação imediata dos "criminosos"). O que é verdadeiramente espantoso é o número reduzido de organizações e de cidadãos que se opõem activamente a esta lei absurda.
Como é compreensível, a pessoa comum que não tenha conhecimentos sobre comportamento canino nem experiência de convivência com cães destas raças facilmente é "levada" pela desinformação veiculada nos meios de comunicação social. Mas e quanto aos restantes? Infelizmente, a maioria das pessoas parece disposta a calar-se perante uma legislação absolutamente injusta e discriminatória, desde que não seja directamente afectada. E, inteligentemente, o Governo certifica-se de que o descontentamento está controlado de cada vez que implementa restrições adicionais à legislação — desta feita, a "versão 2" desta lei discriminatória não será aplicada a animais registados no Livro de Origens Português (LOP), mas a "versão 3" não deve tardar.
Todos os que, infelizmente, se têm calado até agora perdem a legitimidade para reclamar daqui por um ano ou dois ou três, quando for decretado o fim completo de mais alguma raça para além do Pit Bull ou quando mais raças forem adicionadas à vergonhosa lista. Até entre os defensores dos animais se encontram apoiantes desta legislação, alegando que a esterilização destes animais é benéfica ou que os requisitos impostos a quem quer ter um destes animais irão dissuadir quem os pretende explorar. Obviamente que, em geral, a esterilização dos animais e a imposição de pré-requisitos a quem quiser ter um cão (seja de que raça for) são medidas positivas desde que sejam aplicadas de forma justa e sensata, mas jamais poderemos aceitar estas medidas com base em preconceitos. Por outro lado, estas restrições não intimidarão minimamente os marginais, que não se coibirão de continuar com a procriação e a exploração destes animais.
Afirmações Perigosas
Muito disparate tem sido dito acerca dos cães classificados como potencialmente perigosos pela legislação. Mas, como não é possível referi-los a todos, vamos abordar apenas as declarações mais preocupantes, proferidas por Jaime Silva, Ministro da Agricultura, e por Miguel Sousa Tavares, comentador da TVI.
Jaime Silva, Ministro da Agricultura
Nas suas declarações à comunicação social, o Ministro da Agricultura afirmou que "a legislação que existe, se fosse cumprida, obriga, de facto, a que esses animais potencialmente perigosos estejam sempre fechados. Por exemplo, nem é passear na rua com açaime, esses cães têm de estar fechados." Ao defender que quem tem animais de raças classificadas como potencialmente perigosas pela legislação deve mantê-los fechados e isolados, o Ministro da Agricultura demonstra uma assustadora e completa ignorância das causas dos comportamentos violentos, pois propõe exactamente o oposto daquilo que é desejável: qualquer cão deve ser sociabilizado com outros animais e com pessoas e jamais deve ser mantido isolado. Na verdade, aquilo que o ministro propõe é precisamente aquilo que os marginais fazem para tornar os cães agressivos. Por outro lado, se o Ministro da Agricultura não conhece sequer a legislação que existe actualmente (que, correctamente, em nada prevê que os animais classificados como potencialmente perigosos sejam mantidos fechados), que competência e legitimidade tem para propor alterações à mesma?
Igualmente lamentável é a afirmação de que "isto não se resolve com mais fiscalização, ou com campanhas de educação, com campanhas cívicas de sensibilização". Estas afirmações são de uma gravidade extrema. À semelhança de tantas outras questões, sem dúvida alguma, a sensibilização da população é uma medida importantíssima para que problemas que envolvem animais de companhia possam ser mitigados e futuramente evitados. As associações de protecção aos animais pouca ou nenhuma receptividade têm tido por parte do Estado aos seus apelos de apoio para campanhas de esterilização de animais de companhia para controlo da superpopulação de animais, nem para campanhas informativas sobre as responsabilidades inerentes a ter animais de companhia. Como tal, com que legitimidade pode vir alguém que pouco ou nada fez pela sensibilização e educação da população afirmar agora que já não há tempo para sensibilização? É precisamente pela educação que tudo tem de começar, é na raiz dos problemas que é necessário actuar.
O Ministro da Agricultura vê uma necessidade urgente de marginalizar ainda mais os cães das raças consideradas potencialmente perigosas pela legislação, em absoluto contraste com a completa inacção do Governo e da Assembleia da República no que concerne a proteger eficazmente os animais deste país pela criação e regulamentação de legislação adequada, bem como pela aplicação eficaz da legislação existente. Não haja ilusões, os marginais que utilizam cães para fins ilícitos não irão esterilizar os animais nem irão parar com a procriação e a exploração desses animais. Se os marginais nunca respeitaram a proibição das lutas de cães, porque motivos iriam respeitar a proibição de reprodução destes animais? Enquanto a negligência e os maus-tratos não forem criminalizados e eficazmente fiscalizados e punidos, os prevaricadores prosseguirão certamente com os seus intentos sem se preocupar com esta lei ou com futuras leis mais restritivas. Se o Ministro da Agricultura e o Governo se preocupassem minimamente com os animais destes país propunham a criminalização da negligência, dos maus-tratos e do abandono de animais, ao invés de implementarem medidas que vão resultar no abandono e maus-tratos de milhares de animais destas raças e que em pouco ou nada vão contribuir para resolver o problema dos cães agressivos e das lutas de cães.
Poderemos questionar: o que irá Jaime Silva fazer quando constatar que, ao contrário do que está estabelecido na lei, as pessoas não apanham os dejectos que os seus animais deixam na via pública? Irá então o Ministro anunciar que já não há tempo para sensibilização e que, como ninguém cumpre a lei, será necessário proibir as pessoas de passearem os seus cães na rua?
Miguel Sousa Tavares
Miguel Sousa Tavares mostra também a sua assustadora ignorância sobre este assunto afirmando que os cães classificados como potencialmente perigosos são "cães de ataque que não têm outra finalidade senão atacar" e que "o chip deles na cabeça é atacar as pessoas". Ora, hoje em dia, a maioria dos cães classificados como potencialmente perigosos têm exactamente a mesma finalidade que outro cão qualquer: serem animais de companhia. E a maioria dos animais classificados como potencialmente perigosos pela legislação vivem harmoniosamente integrados em famílias humanas. Claro que, para quem está habituado a pensar nos animais como meios para algum fim, esse conceito pode ser difícil de compreender. Mas, voltando aos ditos "cães de ataque", o Pit Bull seria o único que poderia, de alguma forma, ser considerado um "cão de ataque" (o Rottweiler, por exemplo, foi seleccionado para ser um cão de trabalho), mas, mesmo que o Pit Bull tenha predisposição genética para atacar, será apenas para atacar outros cães, nunca para atacar pessoas (pois têm de se deixar manusear durante as lutas).
Miguel Sousa Tavares afirma "Eu nunca conheci um dono de Pit Bull, de Terrier, de Dobermann, de Rottweiler que fosse equilibrado. Nunca. Nunca." É difícil perceber qual a relevância do tipo de companhias e conhecidos de Sousa Tavares para o caso, mas talvez este comentador devesse procurar alargar os seus horizontes antes de fazer generalizações caluniosas e difamatórias, que incentivam o ódio e a discriminação.
Sousa Tavares defende ainda que estes animais são uma arma e não compreende porque motivo não se lhes aplicam as mesmas restrições que para ter uma arma de fogo. Obviamente, comparar uma arma de fogo com um cão é tão válido como comparar uma arma de fogo com um automóvel (sabendo-se que os automóveis estão, de longe, na origem de muitas mais mortes em Portugal do que as armas de fogo). Claro que tanto um carro como um cão podem ser utilizados como uma arma, mas há mil e uma coisas de venda livre que podem ser utilizadas como uma arma (como ferramentas e produtos químicos); é preciso avaliar os animais e os objectos pelo que são e não por aquilo que as pessoas irresponsáveis ou marginais podem fazer com eles.
Não é por acaso que as famílias responsáveis que têm animais destas raças começam cada vez mais a ser alvo de ameaças, ofensas verbais e físicas ou danos à sua propriedade. Não é por acaso que estes animais estão a ser cada vez mais abandonados, vítimas de envenenamento e maus-tratos ou entregues nos canis municipais para serem abatidos. Os responsáveis estão à vista e não podemos deixar de os denunciar.
A discriminação dos cães classificados como potencialmente perigosos pela legislação está a tornar-se cada vez mais forte e mais grave. Todos os que se importam com a sorte dos animais não podem continuar calados.
Retirado de: http://www.pelosanimais.org.pt/blogue/potencialmente_perigosos
A Legislação Específica Para Determinadas Raças de Cães é uma legislação que se baseia na ignorância e no preconceito, ignorando os conhecimentos científicos e empíricos. Em Portugal, este tipo de legislação existe desde 2003 e o Ministro da Agricultura decretou agora (em despacho de 3 de Abril de 2008) a proibição de criação de cães de raças consideradas potencialmente perigosas e a esterilização obrigatória desses animais no prazo de 4 meses. Lamentavelmente, esta legislação conta com um grande número de apoiantes — embora isso não seja muito surpreendente, pois apoiar esta lei é o caminho fácil (desculpabiliza os humanos) e populista (oferece condenação imediata dos "criminosos"). O que é verdadeiramente espantoso é o número reduzido de organizações e de cidadãos que se opõem activamente a esta lei absurda.
Como é compreensível, a pessoa comum que não tenha conhecimentos sobre comportamento canino nem experiência de convivência com cães destas raças facilmente é "levada" pela desinformação veiculada nos meios de comunicação social. Mas e quanto aos restantes? Infelizmente, a maioria das pessoas parece disposta a calar-se perante uma legislação absolutamente injusta e discriminatória, desde que não seja directamente afectada. E, inteligentemente, o Governo certifica-se de que o descontentamento está controlado de cada vez que implementa restrições adicionais à legislação — desta feita, a "versão 2" desta lei discriminatória não será aplicada a animais registados no Livro de Origens Português (LOP), mas a "versão 3" não deve tardar.
Todos os que, infelizmente, se têm calado até agora perdem a legitimidade para reclamar daqui por um ano ou dois ou três, quando for decretado o fim completo de mais alguma raça para além do Pit Bull ou quando mais raças forem adicionadas à vergonhosa lista. Até entre os defensores dos animais se encontram apoiantes desta legislação, alegando que a esterilização destes animais é benéfica ou que os requisitos impostos a quem quer ter um destes animais irão dissuadir quem os pretende explorar. Obviamente que, em geral, a esterilização dos animais e a imposição de pré-requisitos a quem quiser ter um cão (seja de que raça for) são medidas positivas desde que sejam aplicadas de forma justa e sensata, mas jamais poderemos aceitar estas medidas com base em preconceitos. Por outro lado, estas restrições não intimidarão minimamente os marginais, que não se coibirão de continuar com a procriação e a exploração destes animais.
Afirmações Perigosas
Muito disparate tem sido dito acerca dos cães classificados como potencialmente perigosos pela legislação. Mas, como não é possível referi-los a todos, vamos abordar apenas as declarações mais preocupantes, proferidas por Jaime Silva, Ministro da Agricultura, e por Miguel Sousa Tavares, comentador da TVI.
Jaime Silva, Ministro da Agricultura
Nas suas declarações à comunicação social, o Ministro da Agricultura afirmou que "a legislação que existe, se fosse cumprida, obriga, de facto, a que esses animais potencialmente perigosos estejam sempre fechados. Por exemplo, nem é passear na rua com açaime, esses cães têm de estar fechados." Ao defender que quem tem animais de raças classificadas como potencialmente perigosas pela legislação deve mantê-los fechados e isolados, o Ministro da Agricultura demonstra uma assustadora e completa ignorância das causas dos comportamentos violentos, pois propõe exactamente o oposto daquilo que é desejável: qualquer cão deve ser sociabilizado com outros animais e com pessoas e jamais deve ser mantido isolado. Na verdade, aquilo que o ministro propõe é precisamente aquilo que os marginais fazem para tornar os cães agressivos. Por outro lado, se o Ministro da Agricultura não conhece sequer a legislação que existe actualmente (que, correctamente, em nada prevê que os animais classificados como potencialmente perigosos sejam mantidos fechados), que competência e legitimidade tem para propor alterações à mesma?
Igualmente lamentável é a afirmação de que "isto não se resolve com mais fiscalização, ou com campanhas de educação, com campanhas cívicas de sensibilização". Estas afirmações são de uma gravidade extrema. À semelhança de tantas outras questões, sem dúvida alguma, a sensibilização da população é uma medida importantíssima para que problemas que envolvem animais de companhia possam ser mitigados e futuramente evitados. As associações de protecção aos animais pouca ou nenhuma receptividade têm tido por parte do Estado aos seus apelos de apoio para campanhas de esterilização de animais de companhia para controlo da superpopulação de animais, nem para campanhas informativas sobre as responsabilidades inerentes a ter animais de companhia. Como tal, com que legitimidade pode vir alguém que pouco ou nada fez pela sensibilização e educação da população afirmar agora que já não há tempo para sensibilização? É precisamente pela educação que tudo tem de começar, é na raiz dos problemas que é necessário actuar.
O Ministro da Agricultura vê uma necessidade urgente de marginalizar ainda mais os cães das raças consideradas potencialmente perigosas pela legislação, em absoluto contraste com a completa inacção do Governo e da Assembleia da República no que concerne a proteger eficazmente os animais deste país pela criação e regulamentação de legislação adequada, bem como pela aplicação eficaz da legislação existente. Não haja ilusões, os marginais que utilizam cães para fins ilícitos não irão esterilizar os animais nem irão parar com a procriação e a exploração desses animais. Se os marginais nunca respeitaram a proibição das lutas de cães, porque motivos iriam respeitar a proibição de reprodução destes animais? Enquanto a negligência e os maus-tratos não forem criminalizados e eficazmente fiscalizados e punidos, os prevaricadores prosseguirão certamente com os seus intentos sem se preocupar com esta lei ou com futuras leis mais restritivas. Se o Ministro da Agricultura e o Governo se preocupassem minimamente com os animais destes país propunham a criminalização da negligência, dos maus-tratos e do abandono de animais, ao invés de implementarem medidas que vão resultar no abandono e maus-tratos de milhares de animais destas raças e que em pouco ou nada vão contribuir para resolver o problema dos cães agressivos e das lutas de cães.
Poderemos questionar: o que irá Jaime Silva fazer quando constatar que, ao contrário do que está estabelecido na lei, as pessoas não apanham os dejectos que os seus animais deixam na via pública? Irá então o Ministro anunciar que já não há tempo para sensibilização e que, como ninguém cumpre a lei, será necessário proibir as pessoas de passearem os seus cães na rua?
Miguel Sousa Tavares
Miguel Sousa Tavares mostra também a sua assustadora ignorância sobre este assunto afirmando que os cães classificados como potencialmente perigosos são "cães de ataque que não têm outra finalidade senão atacar" e que "o chip deles na cabeça é atacar as pessoas". Ora, hoje em dia, a maioria dos cães classificados como potencialmente perigosos têm exactamente a mesma finalidade que outro cão qualquer: serem animais de companhia. E a maioria dos animais classificados como potencialmente perigosos pela legislação vivem harmoniosamente integrados em famílias humanas. Claro que, para quem está habituado a pensar nos animais como meios para algum fim, esse conceito pode ser difícil de compreender. Mas, voltando aos ditos "cães de ataque", o Pit Bull seria o único que poderia, de alguma forma, ser considerado um "cão de ataque" (o Rottweiler, por exemplo, foi seleccionado para ser um cão de trabalho), mas, mesmo que o Pit Bull tenha predisposição genética para atacar, será apenas para atacar outros cães, nunca para atacar pessoas (pois têm de se deixar manusear durante as lutas).
Miguel Sousa Tavares afirma "Eu nunca conheci um dono de Pit Bull, de Terrier, de Dobermann, de Rottweiler que fosse equilibrado. Nunca. Nunca." É difícil perceber qual a relevância do tipo de companhias e conhecidos de Sousa Tavares para o caso, mas talvez este comentador devesse procurar alargar os seus horizontes antes de fazer generalizações caluniosas e difamatórias, que incentivam o ódio e a discriminação.
Sousa Tavares defende ainda que estes animais são uma arma e não compreende porque motivo não se lhes aplicam as mesmas restrições que para ter uma arma de fogo. Obviamente, comparar uma arma de fogo com um cão é tão válido como comparar uma arma de fogo com um automóvel (sabendo-se que os automóveis estão, de longe, na origem de muitas mais mortes em Portugal do que as armas de fogo). Claro que tanto um carro como um cão podem ser utilizados como uma arma, mas há mil e uma coisas de venda livre que podem ser utilizadas como uma arma (como ferramentas e produtos químicos); é preciso avaliar os animais e os objectos pelo que são e não por aquilo que as pessoas irresponsáveis ou marginais podem fazer com eles.
Não é por acaso que as famílias responsáveis que têm animais destas raças começam cada vez mais a ser alvo de ameaças, ofensas verbais e físicas ou danos à sua propriedade. Não é por acaso que estes animais estão a ser cada vez mais abandonados, vítimas de envenenamento e maus-tratos ou entregues nos canis municipais para serem abatidos. Os responsáveis estão à vista e não podemos deixar de os denunciar.
A discriminação dos cães classificados como potencialmente perigosos pela legislação está a tornar-se cada vez mais forte e mais grave. Todos os que se importam com a sorte dos animais não podem continuar calados.
Retirado de: http://www.pelosanimais.org.pt/blogue/potencialmente_perigosos